“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos
céus;”
Chegamos ao ponto do Sermão do Monte
onde descreveremos as características dos crentes, apresentadas aqui como “Bem-Aventuranças”.
Para compreendermos o que o Senhor quis nos dizer neste momento do Sermão, precisamos
começar de maneira negativa e avançar para o ponto positivo desta tão essencial
característica do cristão.
O que não é ser humilde de espírito?
Para começo de conversa,
ser humilde de espírito não é ser pobre
financeiramente. Muitos entendem este versículo como uma descrição financeira
ou alusiva a justiça social, como se a pobreza financeira trouxesse alguma
virtude ou dignidade em detrimento daqueles que são mais abastados financeiramente.
Gostam de usar o texto de
Lucas 6.20, por ali somente constar “pobres”, todavia,
se esquecem que Jesus falava “vós”, neste mesmo versículo, referindo-se aos que
O ouviam no momento do Sermão e seus futuros leitores, sejam ricos ou pobres,
financeiramente falando.
Também o versículo não está falando de um sentimento natural,
como o que move pessoas a abandonarem tudo o que tem para viver de forma
humilde, numa espécie de monasticismo, voto de pobreza, que levam seus adeptos a
darem tudo para a caridade num ato de barganha religiosa. Isto não é ser humilde
de espírito.
Muitos, na verdade, usam a
humildade como um rótulo, uma marca ou obra: Certa vez, o Pr. Martyn Lloyd
Jones chegou numa cidade vizinha a sua para pregar. Foi recebido por um diácono
da igreja local, que o recebendo na estação, quase que a força, arrancou a mala
de sua mão. E no caminho, falava coisas como “-Eu sou um mero João-Ninguém, uma
pessoa sem a mínima importância. Eu não sirvo para nada, não sou um grande na
minha igreja. Sirvo apenas para carregar a mala do pastor.” Percebe-se que ele
desejava ser visto ou elogiado por tamanha humildade. Conheço também um homem
que fazia muitas coisas pela organização a qual sua igreja era associacionada, fazendo
questão de que todos soubessem que ele o tinha feito, apresentando-se como um
servo, que “faz e acontece”, até mesmo quando não havia sido ele a operar.
Isto, definitivamente não é humildade de espírito. Em verdade, é vaidade travestida.
O que é, então, ser humilde de espírito?
“Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo
nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e
abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o
coração dos contritos.”
Os humildes de espírito são aqueles
que tendem a sua verdadeira condição à luz da Palavra. São humildes e modestos
quanto ao seu conceito próprio, são auto rebaixados. São aqueles que não são sábios
a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos (
Isaías 5.21). Não se
consideram “ricos e abastados” (
Ap 3.17). Em suma, são aqueles que contemplaram
seu estado de depravação, miserabilidade espiritual e sua incapacidade de
justificar-se, ao serem iluminados pelo Espírito Santo.
Literalmente, o termo significa "indigentes" - pessoas sem nome, identidade, nacionalidade. Daí já temos um bela lição para aqueles judeus que tanto se gloriavam no fato de pertencerem a Israel e serem da descendência de Abraão (João 8.41).
1.
A
humildade de espírito vem pelo encontro verdadeiro com Deus.
Isaías 6 ilustra bem como isso
acontece. O profeta, que até o capítulo 5 dizia a todos: “-Ai de vós”, ao ver
Cristo em Seu alto e sublime trono, cai em si e lamenta por si mesmo, percebendo
que não era tão diferente do povo com quem habitava. Este é o estado daquele
que se vê pobre. Quando vemos alguém humanamente considerado santo, logo
pensamos: “-Eu posso competir com esta pessoa”, mas quando vemos Deus, sentimo-nos
mortos, como João, em Patmos (
Ap 1.17). Este é o efeito da contemplação da
beleza da santidade de Deus, que fizera Isaías reconhecer que era miserável, pecador
e que somente Deus poderia salva-lo. Observamos que quanto mais conhecemos a
Deus, mais somos levados pelo Evangelho a contemplar nosso estado vil, pecador,
miserável. Por isso, a humildade de espírito é uma operação exclusiva da graça
de Deus. Só o ato da regeneração nos leva a ver quem somos e que precisamos de
um salvador; que somos pobres, cegos e nus (
Ap 3.17). Pedro era um homem agressivo,
cheio de confiança e que se impunha aos outros, que cria em sua própria força.
Quando viu o Senhor, lhe rogou: “-Retira-te de mim, porque sou pecador” (
Lucas 5.8);
Paulo, quando conheceu a Cristo, mudou de perseguidor a defensor da igreja do
Senhor, reconhecendo que o que tinha e fazia era refugo.
Encontrar-se e conhecer
verdadeiramente ao Senhor, contemplando-O no esplendor de Sua glória e soberana
santidade nos leva a humildade; ao reconhecimento de nossa pequenez e
insignificância. E o único modo de nos relacionarmos com Deus é sob a humildade
imputada a nós por Seu Espírito (o termo sugere um ato passivo: “aqueles que foram
feitos humildes por Deus”), mediante uma correta compreensão de quem Ele é, pois,
“o amor de Cristo nos constrange” (
2 Coríntios 5.14).
2.
A
pobreza de espírito aponta para uma completa ausência de segurança própria e
auto dependência:
“Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é
coberto.
Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade, e em cujo
espírito não há engano.”
O mundo hoje tem pregado que não
devemos nos rebaixar a ninguém, que, se quisermos vencer na vida, temos que
confiar em nós mesmos. Mas esta não é a característica daqueles que fazem parte
do Reino de Deus, chamados pobres de espírito.
Muitos, até mesmo em nossas
igrejas, pensam que podem ganhar o Reino à força, que são merecedores de algum
favor divino ou que de alguma maneira podem ajudar a Deus em sua salvação.
Entretanto, o pobre de espírito, que contemplou verdadeiramente a Deus, é
consciente de sua incompetência. A humildade de Espírito indica aos nossos
corações que nada representamos na presença de Deus, que nada podemos fazer ou
produzir por vontade própria, pois somos corruptos, indignos, miseráveis (
Romanos7.24). Diferentemente dos fariseus, que criam que, por serem de Israel, de raça
pura, seriam salvos, o humilde de espírito não depende de dotes naturais, mas
entende o que Jesus disse com o “sem mim, nada podeis fazer” (
João 15.5), pois “não
depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (
Rm9.16).
3.
É um
sinal da verdadeira conversão.
“Na verdade que, depois que me converti, tive arrependimento; e depois
que fui instruído, bati na minha coxa; fiquei confuso, e também me envergonhei;
porque suportei o opróbrio da minha mocidade.”
Ser humilde de espírito é
reconhecer que nada somos, nada temos e também que olhamos para Deus em total
submissão a Ele, dependendo inteiramente de Sua misericórdia e graça. A
humildade de espírito é aquilo que nos quebra para nos restaurar, que nos
humilha para nos elevar, pois foi dito que Jesus seria “posto para a queda e
elevação de muitos” (
Lucas 2.34).
O Espírito, pelo Evangelho,
sempre nos convence do pecado, para nos levar à conversão (
João 16.8). Por esta
razão, a pobreza de espírito é sinal de conversão, porque primeiro é preciso
ver a pobreza, as trevas e a devassidão de nossos pensamentos, desejos,
olhares, comentários, e saber o quão indigno somos, para poder então enxergar a
Cristo como única e irresistível esperança, a fim de agarrar-se n’Ele e ser
salvo. É a humildade de espírito que nos leva a clamar, com os corações compungidos,
como aqueles que ouviram o discurso de Pedro (
Atos 2.37). É a mudança de mente
(metanoia), que operada pelo Senhor em nós, nos faz perder todo autoconceito e justiça,
trazendo-nos à realidade de nosso maldito estado espiritual, levando-nos a desejar
Jesus e Seu Evangelho. É essa graça que nos leva a perseverarmos em confiar que
nada podemos fazer para resistir ante as perseguições e tentações, pois, se num
breve segundo tivéssemos o controle e nossas vidas e salvação, imediatamente
nos perderíamos! É essa graça da humildade que nos faz viver em gratidão, na
espera do Cristo que tanto nos amou e que nos mantém em segurança até o fim em
Suas próprias mãos (
João 10.29). Os humildes, portanto, foram aqueles que
perderam tudo. Toda autoconfiança, toda vanglória, todo senso de merecimento, e
se apegaram ao Salvador, dizendo:
“Em
nada ponho a minha fé, senão na graça de Jesus. No sacrifício remidor, no
sangue do bom redentor” (“Firmeza” – Cantor Cristão, nº 366) – como fez a mulher
do fluxo de sangue, como todos os que entendem
Efésios 2.8-9; como muitos que
abriram mão de qualquer “livre-arbítrio” e abraçaram a Livre Graça de Deus, vivendo
em dependência do Senhor; que nada tem, senão a Ele como amor maior.
Ser humilde de espírito é - ao
contemplar a beleza de Cristo – “tornar-se cada vez mais fraco; mergulhar a
níveis cada vez mais baixos de autoestima, auto aniquilação” como dissera C.H.
Spurgeon. É fazer morrer qualquer glória humana, para que a do Senhor te domine
e faça de você um instrumento, como um vaso, vazio de si mesmo, para ser
preenchido por Deus. É diminuir, para que o Senhor cresça (
João 3.30).
Portanto, devemos nos perguntar: Me pareço com essa descrição? Sou
mesmo humilde de espírito? Como é que me sinto a meu respeito quando penso em
Deus e na Sua presença e santidade? Em minha vida diária, quais as coisas que
costumo dizer, sobre o que costumo orar e o que costumo pensar sobre mim mesmo?
O que sou, uma vez que minhas obras foram preordenadas por Deus, meus
sentimentos uma resposta da ação do Seu Espírito, e até o amor que sinto, implantado
por Ele em meu coração?
Como posso me tornar um pobre de espírito?
Não podemos olhar para nós e
fazermos as coisas por nós mesmos ou nossas forças - é olhando para Deus. Leia,
portanto, Seu Livro, examine Sua Lei, veja o que Ele espera de nós. Imagine-se
de pé diante da grandiosidade do Seu poder, ira, glória, justiça, retidão e
amor. Reconheça sua pequenez, prostre-se ante Ele, suplique para que Ele o
ponha em seu devido lugar, pois Seu Reino é somente para os que foram feitos
pobres por Deus. Um coração contrito e quebrantado não é resistido pelo Soberano.
Desça do palco, abandone suas obras, mentiras, dispa-se, humilhe-se na presença
do Senhor e Ele o exaltará ao posto de habitante do Seu Reino (
Tg 4.7-10).
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Esboço baseado no livro: Estudos no Sermão do Monte. Martyn Lloyd Jones, Ed. FIEL. Adquira o livro aqui.
> Comentário Bíblico Esperança (Aqui);
> Livro: Crucificando a Moralidade. Ed. FIEL (Aqui);
> Meditações no Evangelho de Mateus. Ed. FIEL (Aqui).
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