"Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;"
É
interessante observar o paradoxo deste sermão proferido por Jesus,
principalmente no que tange as Bem-Aventuranças. O Evangelho de Mateus foi escrito
a judeus, e havia ali, no momento da pregação, pelo menos quatro partidos judaicos
diferentes: Essênios, Escribas, Fariseus e Zelotes; este último, partido de Judas
Iscariotes, que pregava, entre outras coisas, que o Messias viria para declarar
uma guerra santa, conquistando Israel de volta aos israelitas numa grande revolta,
destruindo todos os inimigos do povo a fio de espada. Então, vem Jesus, o
Messias prometido, e num dos seus primeiros sermões, diz que felizes são os pobres,
os que choram, e agora, os mansos. O messias político e militar que esperavam,
estava pregando que a terra será dos mansos.
Para
compreendermos sobre mansidão, precisamos nos atentar ao que não é ser manso. Mansidão
não é uma qualidade natural do homem, uma disposição de berço. Também não é
algo que se manifesta somente em alguns crentes. Como todas as outras
Bem-Aventuranças, a mansidão deve ser vista em todo aquele que é verdadeiramente
cristão, pois é, como as outras, um fruto do Espírito (Gálatas 5.22), independentemente
do seu temperamento.
Ser
manso não é ser insensível ou frio; também não significa ser fraco, frouxo, débil,
daqueles que fogem de brigas e discussões. Não é ser gentil, simpático, educado,
de fácil trato; não é como aqueles que vocês podem até dizer “Tenho um vizinho
tão manso, gente boa, sossegado!”; não é aquele que busca a paz a qualquer
preço, embora algumas destas características serem até nobres; ser manso bem-aventuradamente
falando, não é isso.
O termo
grego para mansidão, inclui o oposto da ira, da irritação, do melindre, da
amargura; daquele que se consome em mágoa. Manso é ser amável, sem amargura. É baseado
no Salmo 37.11 e, como venho argumentando, não é uma ordem ou mandamento, é
antes uma graça, uma característica daquele que nasceu de novo, que possui uma
nova natureza, o foi salvo. Esta mansidão é espiritual, e é uma submissão a
Deus. Ser manso significa ser ‘amansado
por Deus’. O que Jesus quis nos dizer em seu sermão é que ‘felizes’ são
aqueles que foram amansados por Deus, domesticados, feitos submissos, escravos
do Senhor.
Quando
perdidos, éramos como animais selvagens. Estávamos em violenta rebeldia contra
Deus (Romanos 1.30); rosnávamos para a Sua Palavra e vivíamos desgarrados, à
sorte de nossa responsabilidade; bem como Isaías narra, éramos como ovelhas sem
pastor, arredios em espírito, brutos, em rebelião ao Criador (João 3.36).
Quando o Senhor nos resgatou, Ele nos domesticou, amansou, subjugou e nos quebrantou.
Passamos, então a ouvir Sua voz, atender Seu comando, obedecer Sua vontade,
amá-Lo e segui-Lo (João 10.27). Ser manso, é ser submetido a Deus, confiando a
Ele o controle e domínio das nossas vidas.
Ser
manso é, portanto, algo natural, uma vez que, pela graça de Deus, fomos feitos
humildes de espírito, reconhecendo que nada temos e somos; e choramos, em perceber
que nosso estado levou Jesus a cruz, nos tornamos mansos, pois percebemos que
nada provém de nós, mas de Deus exercer misericórdia em Cristo. É uma ação exclusiva
de Deus, é interior e que se exterioriza. É ser guiado pelo Senhor Jesus,
ensinado pelo Espírito Santo, cuidado por Deus. É quando abandonamos a
autoestima, a auto justificação, e deixamos de brigar com Deus e o mundo, admitindo
que somos pecadores, percebendo a abrangência do perdão do Senhor e a vida que
desfrutamos.
Esta
Bem-Aventurança é claramente vista em Jesus, que disse ser manso e humilde de
coração (Mateus 11.29). Vemos em Lucas 19.45-48, o Senhor numa atitude firme e
enérgica, expulsando os mercadores do templo, demonstrando que mansidão não é
covardia ou frieza. Mas, vemos o Cristo repetidas vezes submetendo-se ao Pai;
ainda que fosse Deus de Deus e sem pecado (Filipenses 2.5-11), Ele se esvaziou
e tomou forma de escravo; dizia sempre que viera fazer a vontade do Pai, que
esta era sua missão e alimento, e mesmo em face da morte, nosso Senhor submeteu-se
ao desígnio do Pai... Isso é mansidão! Temos ainda, no Antigo Testamento, o
exemplo de Moisés, que de um príncipe guerreiro, tornou-se o mais manso dos
homens desde que viu o Senhor na sarça ardente. Ou mesmo Paulo, que de feroz
perseguidor da igreja, tornou-se um homem brando, que viveu sob a vontade de
Deus, e tudo suportou pelo Evangelho desde que o Senhor o derrubou do cavalo. A
mansidão nos derruba do alto do nosso ego, do nosso achismo, autossuficiência e
prepotência, nos fazendo confiar e depender somente do Senhor para nossa
salvação e santificação, mudando nosso caráter e natureza. De rebeldes, Ele nos
faz escravos, desejosos pela vontade e cuidados do nosso Senhor e domador (Romanos 12.2b).
Esta
mansidão também transforma o modo com que tratamos os outros. O que Jesus
ensinava naquele monte é que quem se viu pobre de espírito e chorou por seus
pecados, perde totalmente a confiança em si e se entrega a Deus. O manso compreende
que sua salvação não vem dele, pois é Deus quem o justifica (Romanos 5.1); que
nada há de bom em si, pois se tem algo de bom, é justamente Deus operando (Filipenses 2.13), e se faz algo de bom, é Deus agindo através dele (Efésios 2.10).
Entender tais coisas, preparou os discípulos de Jesus a suportar tudo, até
mesmo a perseguição, por saber que não precisavam ou podiam se defender com
suas próprias mãos, pois Deus era seu defensor. A mansidão remove nosso orgulho e nos equipara
a qualquer outro ser humano. Ela nos faz entender que nada podemos reclamar,
que este sistema não é nosso, nem tem nada para nos oferecer. Assim, não
precisamos provar nosso ‘valor’ ou nos encaixar, nem mesmo brigar com aqueles
que injustamente tramam nosso mal, pois, o que somos, senão pecadores salvos
pela graça? Tudo o que temos, portanto, é lucro! Deste modo, o trato com os
outros é aperfeiçoado, pois nada há a ser defendido quanto a nossa reputação;
não precisamos nos irritar pelo que dizem a nosso respeito, nem sermos movidos de
autocomiseração ou egoísmo, pois entendemos que nada somos, senão, pecadores.
Como disse John Bunyan: “Aquele que está caído não teme a queda”. Assim, quando
alguém vê verdadeiramente a si mesmo e admite sua vileza e incompetência, sabe
que ninguém pode dizer a seu respeito nada exageradamente mau, por exemplo. O
manso, por saber quem é, sempre colocará os outros em primeiro lugar e será
movido por uma misericórdia santa, pois o Evangelho nos mostra que não somos
moralmente superiores a ninguém, e que não precisamos temer os outros. Isto significa
que, por termos sido amansados, agora podemos realmente amar os outros.
E
então, chegamos à promessa: Os mansos herdarão a terra. Esta promessa se mostra
em duas facetas distintas e complementares. Primeiro, os mansos herdarão a
terra, porque estes tem vivido sob a submissão e cuidado daquele que é o Senhor
da terra e de tudo o que nela há (Salmo 24.1). Aprendemos a depender do cuidado
daquele que nos domesticou, o que nos leva ao contentamento e segura paz, como disse
o Apóstolo Paulo: “Não digo isto como por
necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar
abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas
estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância,
como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.”
(Filipenses 4:11-13). O manso é satisfeito, mesmo nada tendo, mas possuindo
tudo (2 Coríntios 6.10b). Além disso, herdaremos a terra, pois somos herdeiros
de Deus e coerdeiros com Cristo (Romanos 8.17), de modo que com Ele reinaremos
e receberemos o reino que nos foi prometido desde a fundação do mundo. Esta
terra, então renovada, será nossa. Já temos vivido o Reino e veremos o seu
cumprimento visível. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra!
A submissão
a Deus é o que nos abençoa (Tiago 4.7). Você tem visto características de
mansidão em você? Esta lógica da cruz é abençoadora, ou te soa como loucura?
Você já foi submetido, amansado por Deus, ou confia em si e nas suas forças?
Você é capaz de negar-se por Cristo, reconhecendo que sem Ele não é nada, nem
pode fazer coisa alguma?
Que
o Senhor o abençoe, derrubando-o do alto de sua rebelião, domesticando-o para o
Seu louvor.
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Esboço baseado no livro: Estudos no
Sermão do Monte. Martyn Lloyd Jones, Ed. FIEL. Adquira o livro aqui.
> Comentário Bíblico Esperança (Aqui);
> Livro: Crucificando a Moralidade. Ed. FIEL (Aqui);
> Meditações no Evangelho de Mateus. Ed. FIEL (Aqui).
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